miércoles, 7 de abril de 2010

O saco preto

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No hospital, a enfermeira estende-lhe um saco preto de plástico resistente: 'Tome, menina'. Ela aceita e pega no saco volumoso. Volta-se para trás e olha pela última vez para o quarto. Vai-se embora, com o som dos passos a baterem no chão de pedra e a ecoarem-lhe nos ouvidos. Não ouve mais nada, só aquele som: clac, clac, clac.

Chega a casa. Senta-se no sofá, leva as mãos à cabeça e apoia-as nela durante minutos que parecem uma eternidade. Acende um cigarro e apaga-o logo a seguir. Ganha coragem e resolve finalmente abrir o saco: tira o conteúdo de dentro do mesmo e dispõe os objectos um por um em cima da mesa em frente ao sofá, num alinhamento perfeito:

- uns óculos
- umas chaves de casa
- uma carteira
- um livro marcado a meio
- um rádio
- uma moldura com o retrato dos filhos
- um lenço de bolso
- uma máquina de barbear
- um necessaire com produtos de higiene

Desbobra a roupa e o pijama e chega-a perto de si. Cheira-a e sente o odor familiar. Fixa então a atenção nos objectos que lhe parecem sorrir tristemente: os óculos que não lerão o livro que já ia a meio, a carteira (que não ousa abrir por lhe parecer uma invasão de privacidade), o rádio que não tocará as mesmas estações, as chaves que não abrirão nunca mais a porta de casa.

Coloca todos os objectos dentro de uma caixa e sela-a com fita adesiva. Vai ao sotão e arruma-a lá. Guarda apenas consigo os óculos. Põe-os no rosto. Por momentos julga ver-se de mão dada, com ele, em direcção a casa. Tira os óculos, que continuam a sorrir tristemente para si, e arruma-os na cómoda. Sai de casa e desce a rua, com o som dos passos a baterem no chão de macadame e a ecoarem-lhe nos ouvidos. Não ouve mais nada, só aquele som: clac, clac, clac.
Mafalda Melo  Sousa

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